Vi crianças que brincavam
Na aurora de meus dias,
Meu silêncio bem mais leve,
O meu sono mais tranqüilo...
Tive todos os castelos,
Tive todas as costelas,
Tive asas... e voava!
Pernas, seios,
Saias, sonhos...
Vivi sonhos muitos, lindos!
Tive até a minha mãe!
E queria muitos filhos...
Tive memória, lembrava,
Estudava, aprendia...
Vi a beleza de auroras
Que rompiam madrugadas.
Fazia mil fantasias
E compunha mil poesias,
E com encantos brincava.
Vi quando um moço bonito
Mostrou-me o amor no caminho
E o caminho de sorrisos.
Pareciam infinitos!
Infinidade era eu,
Infinita de carinhos,
De caminhos, de encantos
E duma plena vontade
De amar em plenitude.
Amar tanto e amiúde
Que a mim consumiria,
Na aurora de meus dias,
O meu tão imenso amor.
...E ornamentos, e flores,
Tanto véu, tanta grinalda,
Parecia sufocada
Por tamanha alegria!
Parecia sufocada...
Vi quando tudo ruiu.
E enforcaram o amor.
E ao ódio coroaram.
Parecia sufocada...
Parecia sufocada...
O vilão então entrou na noite suja.
Como escarro deslizou pelo meu corpo.
Asqueroso, verme, impuro, rastejante,
Lutulento ser das trevas do engano!
Ratazanas se encolhiam pelos cantos...
Calafrios percorriam minha espinha...
E meu pranto de terror banhava ainda
O meu rosto apavorado de espanto.
Como um monstro que urrava em desespero
Em meu ventre explodiu como uma bomba.
Suportava a dor enquanto penetrava
O que em mim dilacerava minha alma.
Fiquei bêbeda de asco e de desgosto
E no rosto desse verme vomitava...
Quando não se me implodiu pela garganta
O meu grito de terror na noite lenta...
Naquela noite maldita,
Bebi meus sonhos com uísque,
Comi no prato da dor,
Celebrei meu funeral...
Sepultei minha alegria...
Parecia sufocada...
Parecia sufocada...
Vi arrancarem meu sexo
E quando o sangue escorria,
Tive tormentos e dores,
A privação dos amores...
A solidão... e chorei...
Vi vingança refletida
No meu sangue que corria,
E sete disparos secos,
Sete gritos de agonia...
Sete marcas em um corpo...
Sete vozes me diziam:
- “Joga este verme num fosso!”
- “Joga aos porcos suas vísceras!”
No inferno fiz morada.
Parecia sufocada...
Vi crianças que morriam...
O terror na noite fria...
Meu silêncio mais pesado...
Dores que me consumiam...
Os castelos que ruíram...
As costelas que partiram...
Minhas asas quebrantadas...
As lembranças que sumiam...
Vi minha perna coxear...
Perdi asas... perdi seios...
Minha mãe me abandonava...
Meus filhos nunca existiram...
...Vi um revólver na mão.
Já não vi nada a perder...
...A vida...
vazou...
Pelo...
Crânio...
Na...
Calçada...
Não vi mais nada.
HENRIQUE, Jorge. Mutante in Sanidade. Cadernos Cultart de Cultura. Aracaju: UFS-PROEX-CULTART. Novembro, 2001. p. 80
Na aurora de meus dias,
Meu silêncio bem mais leve,
O meu sono mais tranqüilo...
Tive todos os castelos,
Tive todas as costelas,
Tive asas... e voava!
Pernas, seios,
Saias, sonhos...
Vivi sonhos muitos, lindos!
Tive até a minha mãe!
E queria muitos filhos...
Tive memória, lembrava,
Estudava, aprendia...
Vi a beleza de auroras
Que rompiam madrugadas.
Fazia mil fantasias
E compunha mil poesias,
E com encantos brincava.
Vi quando um moço bonito
Mostrou-me o amor no caminho
E o caminho de sorrisos.
Pareciam infinitos!
Infinidade era eu,
Infinita de carinhos,
De caminhos, de encantos
E duma plena vontade
De amar em plenitude.
Amar tanto e amiúde
Que a mim consumiria,
Na aurora de meus dias,
O meu tão imenso amor.
...E ornamentos, e flores,
Tanto véu, tanta grinalda,
Parecia sufocada
Por tamanha alegria!
Parecia sufocada...
Vi quando tudo ruiu.
E enforcaram o amor.
E ao ódio coroaram.
Parecia sufocada...
Parecia sufocada...
O vilão então entrou na noite suja.
Como escarro deslizou pelo meu corpo.
Asqueroso, verme, impuro, rastejante,
Lutulento ser das trevas do engano!
Ratazanas se encolhiam pelos cantos...
Calafrios percorriam minha espinha...
E meu pranto de terror banhava ainda
O meu rosto apavorado de espanto.
Como um monstro que urrava em desespero
Em meu ventre explodiu como uma bomba.
Suportava a dor enquanto penetrava
O que em mim dilacerava minha alma.
Fiquei bêbeda de asco e de desgosto
E no rosto desse verme vomitava...
Quando não se me implodiu pela garganta
O meu grito de terror na noite lenta...
Naquela noite maldita,
Bebi meus sonhos com uísque,
Comi no prato da dor,
Celebrei meu funeral...
Sepultei minha alegria...
Parecia sufocada...
Parecia sufocada...
Vi arrancarem meu sexo
E quando o sangue escorria,
Tive tormentos e dores,
A privação dos amores...
A solidão... e chorei...
Vi vingança refletida
No meu sangue que corria,
E sete disparos secos,
Sete gritos de agonia...
Sete marcas em um corpo...
Sete vozes me diziam:
- “Joga este verme num fosso!”
- “Joga aos porcos suas vísceras!”
No inferno fiz morada.
Parecia sufocada...
Vi crianças que morriam...
O terror na noite fria...
Meu silêncio mais pesado...
Dores que me consumiam...
Os castelos que ruíram...
As costelas que partiram...
Minhas asas quebrantadas...
As lembranças que sumiam...
Vi minha perna coxear...
Perdi asas... perdi seios...
Minha mãe me abandonava...
Meus filhos nunca existiram...
...Vi um revólver na mão.
Já não vi nada a perder...
...A vida...
vazou...
Pelo...
Crânio...
Na...
Calçada...
Não vi mais nada.
HENRIQUE, Jorge. Mutante in Sanidade. Cadernos Cultart de Cultura. Aracaju: UFS-PROEX-CULTART. Novembro, 2001. p. 80
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